quarta-feira, 6 de abril de 2011

Escritor Achel Tinoco: "Mas não se preocupem, eu sei que é utopia"

OS DE FICHA SUJA

 Por Achel Tinoco*

Que beleza,  todo mundo livre!
Senhores bandidos e malfeitores de ficha-suja, não há com o que se preocupar, todos vocês podem se candidatar ao que quiserem: podem ser vereadores, prefeitos, deputados, senadores, quiçá presidente da República, oxente! Êpa, para trabalhar na prefeitura como gari, aí não pode; para ser caixa de um supermercado, aí também não pode, tem que ter a ficha limpa, sim, senhor. A ficha suja dá direito a ser político, exatamente, porque para ser político qualquer coisa serve, aliás, como muitos dos que já estão lá — e por isso mesmo querem estar sempre lá —, porque lá ficam imunes, impunes, intocáveis, de papo pro ar, como se diz e se faz por lá...
            Quando imaginamos que alguma coisa vai mudar e que os políticos enfim vão seguir a mesma cartilha de todo cidadão, e vão criar leis para todo mundo de maneira equitativa, pronto, tudo se transforma, e eles voltam a burlar a capacidade de o povo se indignar e de o povo pensar ou, pelo menos, de acreditar que algo vai ser diferente e, finalmente, vamos ser iguais perante as leis e iguais perante as oportunidades. Nada disso, tudo é igual como era antes, não somos iguais de jeito algum, aqueles homens togados reafirmaram que nenhum cidadão pode ser proibido de nada antes de ser julgado e condenado. E mais: algemas, somente para os ladrões de cavalo, mesmo assim se forem pobres e desacompanhados de um bom advogado, e como já se sabe que são pobres, jamais terão um bom advogado, nem mesmo advogado terão.
 certo! Chegamos a acreditar que seria diferente, mas acontece que para um sujeito de ficha suja, estando já envolto com o manto público da política, nem se fosse Matusalém esse sujeito seria julgado, muito menos condenado. E não me venham dizer agora que o povo deve ser responsável por cada um que for eleito, porque o povo não tem discernimento absoluto para julgar um candidato que fala bonito — como se fosse aprendiz de santo-do-pau-oco —, e diz que tudo são perseguições políticas, e diz que tudo são falácias da oposição. Muitas vezes, nem a própria justiça é capaz de determinar o quanto esse elemento é inocente, imaginem se o povo — ávido para descarregar seu voto —, vai determinar quem é quem no jogo político.
            O certo é que perdemos mais uma boa oportunidade de moralizar o pleito, ou, ao menos, meter medo naqueles degenerados que desejam um cargo eletivo. Ainda que houvesse alguma injustiça, ora, seria muito menos danosa do que a quantidade de bandidos que entrará pela porta da frente nessa política, mais uma vez, “para nos representar”.
Para entrar na vida pública, então, o mínimo que se deveria exigir era uma ficha limpa, transparente, de papel velino.
Mas não se preocupem, eu sei que é utopia.


*Achel Tinoco é Escritor, nasceu em São Domingos do Capim, no Estado do Pará.
Cursou Letras e Administração de Empresas. Atualmente, reside em Salvador, capital do Estado da Bahia.

Livros publicados: Outra parte de mim, Okavango, Vilarejo dos anjos, Retrato sobre tela, Até parece que foi sonho, As nudezas secretas de Eleonora e Perdendo a metade de mim


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