segunda-feira, 23 de maio de 2011

Deputado Emiliano José: "Não há que chorar"

Os comuns estão chegando

Emiliano José*

O jornalismo não fica, não pode ficar à margem do intenso processo de transformações que o mundo experimenta, acentuado pela velocidade com que as mudanças científicas e tecnológicas acontecem nos dias atuais. Não é que o nosso tempo possua o privilégio de provocar abalos no modo de produzir e de existir. Se relêssemos Marx, e nem precisaria ser com tanto zelo, iríamos perceber que ele, no século XIX, já falava em globalização, no fim das fronteiras, no impacto impressionante que o capitalismo provocava, tanto para o bem, quanto para o mal. Tudo que é sólido desmancha no ar, me lembro de Marshall Berman, avaliando Marx.

É nesse contexto que devemos pensar os contornos da nova realidade do fazer jornalístico. Se não é mais possível pensar a produção fabril a partir exclusivamente do chão da fábrica, se não é possível desconhecer que hoje o trabalhador intelectual é o ponto de partida da produção, o motor da inovação e da produtividade, também não é mais possível imaginar que a produção jornalística se concentre apenas nos profissionais localizados nas redações, embora estes, com os diplomas que os qualificam, que lhes dão consciência crítica, sejam essenciais. A produção jornalística vai muito além hoje do universo das redações que, por outro lado, diminuiu muito.

A internet provocou uma revolução que está longe de ter encerrado todas suas conseqüências. A convergência digital colocou o mundo nas mãos do cidadão comum. E isso não é apenas uma metáfora. O celular é hoje um portal para o mundo. Um aparelhozinho desses permite o comunismo - me desculpem o uso da expressão. O comunismo no sentido de que o mundo hoje é comum a todos, pode ser partilhado pelos comuns, pelos sem-poder. E com isso não se quer dizer, longe disso, que a humanidade está sendo generosa com todos. Não. Apenas se está querendo dizer que a internet abriu as portas da percepção para milhões.

O episódio do assassinato de Osama Bin Laden é a mais clara expressão disso. Antes que qualquer grande rede midiática falasse dele, um twitteiro, com o mundo nas mãos, abriu o jogo, sem perceber a dimensão exata de que estava fazendo uma espécie de cobertura jornalística. E isso ocorre todos os dias, todas as horas. A cobertura do mundo deixou de ser algo feito exclusivamente pelas redes midiáticas. Está, também, nas mãos dos comuns.

Não raramente, as televisões valem-se, aliás, de imagens de celulares para falar de acontecimentos que não cobriram, que não tiveram pernas para cobrir. O mundo virou de cabeça para baixo, dirão alguns. A bruxa está solta, dirão outros. A internet veio também para isso. Para provocar essa revolução, mudar o jornalismo.

A chamada produção de conteúdo não está mais apenas nos órgãos midiáticos formais como os jornais, as tevês, as emissoras de rádio. Espalha-se pelo mundo dos portais, dos blogs, do twitter, do facebook, das redes sociais e, mais do que isso, espalha-se por todos recantos onde chegue a internet porque um sindicalista de sindicato rural não deixa de noticiar os acontecimentos de sua base, assim como o dirigente de uma associação de bairro ou de um quilombo, ou qualquer cidadã ou cidadão que isoladamente resolva colocar na rede alguma coisa que ela ou ele considere interessante. Muita coisa tem ganhado dimensão a partir dessas iniciativas.

Não há que chorar. Não há que lamentar. O mundo girou, se moveu. E o jornalismo que, em seu formato atual, nasce lá pelos idos do século XIX, aperfeiçoa-se no século XX, terá que se reinventar, se recriar, se refundar. Compreender que a multidão está chegando, está querendo participar, já está participando, e que não há mais retorno.

Não queremos e não podemos jogar fora a água do banho com a criança dentro. Vamos resgatar o muito de bom que foi construído no velho jornalismo, o arcabouço teórico e técnico cheio de valores nobres que se constituiu, e vamos embarcar junto com a multidão nesse extraordinário, admirável mundo novo, democratizando a mídia e lutando para democratizar a terra toda. Para que ela seja comum. Seja dos comuns porque todos, então, seremos comuns.

*jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)


Mais informações em www.emilianojose.com.br


Fonte: Assessoria de Comunicação
imprensa@emilianojose.com.br

N. do E. Artigo originalmente publicado no Jornal "A Tarde", edição do dia 23.05.2011.

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