UMA VOLTA PELA CIDADE
Por Achel Tinoco*
Eu queria sair de casa pela manhã e não ter de me chocar com crianças cheirando cola na primeira esquina. Mais adiante uma menina grávida de outra menina fazendo sexo oral com um homem para ganhar um real. Que droga! Isso não é vida, eu digo e hei de me indignar a princípio, mas da terceira vez em diante já terei me acostumado, como quem perde a virgindade e ainda sente dor nas duas vezes seguintes, e vou virar o rosto de lado para não passar o dia maquinando como melhorar a situação desse país. Mais do que isso: ainda tenho que reservar paciência para assistir às apresentações de outros meninos na sinaleira quais micos amestrados por uma moeda. Distraí-me com suas “macaquices” e um deles me furtou o celular que estava no banco do carona e eu imprudentemente esquecera o vidro do carro aberto. Se não for ainda hoje, com certeza amanhã ele será castigado por um comparsa ou por um policial truculento que não se sentiu na obrigação de ouvir sua história — será encontrado numa vala comum antes mesmo de adolescer.
À porta da escola há um traficante vendendo pacotinhos de hortelã aos alunos e um aluno exibe um revólver que porta na cintura, faltam dez para onze. A professora disse que não pode fazer nada, limita-se a adverti-lo verbalmente, mas ele não sabe o significado do verbo: xinga-a de todos os nomes feios. Penso que aqueles da rua, os da sinaleira, até os de casa deveriam estar naquela ou noutra escola qualquer, contanto que estivessem na escola. Lá dentro deveria ser melhor do que cá fora, mas, talvez, seja pretensão demais da minha parte, segundo devem pensar as autoridades políticas, cá fora lhes garantirão um votinho no futuro; lá dentro, podem começar a entender de retórica e não lhes dar ouvido depois.
Que seja minha pretensão, eu sei, ou utopia, queria me debruçar na balaustrada da praia e ver apenas o mar sem essa onda de miséria; sem esse medo de viver; sem esse horizonte vazio.
Queria apenas voltar para casa sem tropeçar nessa merda toda.
Sou mesmo pretensioso.
*Achel Tinoco é Escritor, nasceu em São Domingos do Capim, no Estado do Pará.
Cursou Letras e Administração de Empresas. Atualmente, reside em Salvador, capital do Estado da Bahia.
Livros publicados: Outra parte de mim, Okavango, Vilarejo dos anjos, Retrato sobre tela, Até parece que foi sonho, As nudezas secretas de Eleonora e Perdendo a metade de mim
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